Kurt
Elling by Jorge Monjardino
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Angra Jazz
2011
Kurt Elling ()
Foi no momento exacto em que Kurt Elling atacou o clássico “Stardust” que
soube que estávamos perante uma noite inesquecível. Foram duas
horas em que os standards se cruzaram com John Coltrane ou os Beatles,
Dorival Caymmi e um comovedor “Luíza” de Tom Jobim, terminando
com Stevie Wonder e “Golden Lady”.
O que faz de Kurt Elling um músico de excepção é a
conjugação de uma técnica vocal inexcedível com
uma entrega em palco que se revela na roupa que lhe transpira, mas que é apenas
o sinal mais exterior da emoção que comunica.
Kurt Elling não é um crooner, apesar de o concerto
conter em si bastante de espectacular, mas isso não decorre de artifícios
exteriores à música, mas da sua expressividade. Do ponto de vista
técnico, ele junta uma voz grave de tenor com alguns artifícios
que usa, ainda assim de forma parcimoniosa. Ele usa o scat ou o vocalese, como
manipula o microfone ou usa o corpo, mas os artifícios são apenas
o suporte para um discurso que se vai construindo na desconstrução/
construção das canções, revelado na alteração
da métrica, nas súbitas síncopes, na modificação
das notas. Tudo em que toca (canta), Elling transforma em Jazz, e ele fá-lo
de forma natural como respira.
Kurt Elling surge-nos ora forte ora pateticamente frágil, ridente ou
desesperado, num turbilhão de emoções que nos vai quebrando
as defesas, que nos faz chorar e rir, que nos deslumbra e surpreende e que
nos comove.
Uma nota final para a banda, irrepreensível e inspirada (onde nem se
notou a substituição do contrabaixo). Em destaque o baterista,
Ulisses Owens, veludo puro, mas sobretudo um pianista, também director
artístico de Elling, Laurence Hobgood, subtil e rigoroso.
Alguém me dizia no final do concerto que esta era uma boa bitola: quem
não ama um concerto destes, quem não ama um cantor destes,
deve desistir de ouvir Jazz e entreter-se com outras coisas. Nada mais acertado!
O AngraJazz viveu uma das suas mais memoráveis noites e este humilde
escriba teve a felicidade de estar presente.
Orquestra
AngraJazz ( )
O arranque do festival teve lugar no dia anterior com o concerto da Orquestra
AngraJazz.
Tive no ano passado oportunidade de expor o meu descontentamento pelo descaminho
da orquestra, mas é preciso reconhecer agora os méritos do que
foi feito desde então. Ao contrário de 2010, ela apresentou este
ano vários solistas e um nível apreciável de jovens músicos. É verdade
que muitos solos se revelaram limitados e alguns não serão mesmo
mais que simples transcrições de pautas, mas é bom que
os jovens músicos aprendam primeiro a tocar certo, para depois poder
tocar errado. Pedro Moreira e Claus Nymark, acertadamente, fizeram o que era
preciso fazer: deixar os miúdos tocar! Eles abstiveram-se de brilhar,
e bem: afinal o espectáculo é da orquestra! Claus Nymark escreveu
vários temas expressamente para a orquestra (alguns deles claramente
inspirados em clássicos), justificados pela admissão dos novos
recrutas, que se somaram aos standards que já fazem parte do
reportório da orquestra.
Por último, uma boa surpresa foi a voz do jovem convidado Manuel Linhares
que revelou voz, postura e acerto na interpretação dos crooners,
com especial destaque para a evocação de Frank Sinatra. A Orquestra
AngraJazz tem um longo caminho a percorrer, mas hoje ela provou que era possível.
José Ribeiro Pinto, o histórico apresentador e um dos directores
do festival confidenciou que estão na calha vários projectos
para a orquestra, entre os quais a apresentação de um concerto
de Natal. Isso é fundamental. É fundamental que a orquestra ganhe
utilidade e visibilidade, e permitir-me-ia sugerir a introdução
de vozes (eventualmente convidados) que poderiam enriquecer o programa: existe
uma longa tradição de concertos de Jazz de Natal e as vozes são
aqui importantes.
É fundamental que os membros da orquestra se sintam úteis e estimulados
e que o público da Terceira a conheça. Uma única apresentação
anual é um dos factores da desmotivação dos músicos.
Não há segredos nisto: é preciso trabalhar, trabalhar, trabalhar,
e é preciso que a orquestra se torne visível. É preciso
mostrar resultados à cidade e à ilha, é preciso virar a
orquestra para fora. Creio que isso começou a ser feito quando a orquestra
começou a angariar jovens entre as filarmónicas. O maior problema
da orquestra é a sua insularidade, e os músicos e a sua direcção
têm de trabalhar o dobro para obter os mesmos resultados que outras orquestras
onde os seus membros têm a oportunidade de trocar experiências. Mas
hoje todos vimos que isso era possível! É preciso não desarmar, é preciso
continuar!
A Orquestra AngraJazz é a menina dos olhos do festival e um dos seus
projectos mais interessantes. Por si só, ela faz do AngraJazz um dos
mais importantes festivais nacionais.
Night
of Jazz Guitars featuring Larry Coryell ()
O segundo concerto do AngraJazz 2011 foi um desastre. Um ensemble de guitarras é sempre
um espectáculo perigoso. O risco decorre do exibicionismo gratuito a
que ele é propenso, mas ainda assim existem alguns exemplos bem sucedidos,
pelo menos no que toca ao espectáculo. Mas, por estranho que pareça,
nem isso aconteceu: nenhum dos músicos revelou dotes extraordinários
e mesmo o virtuoso Larry Coryell pareceu ausente, e até o seu “Bolero
de Ravel” nos deixou indiferentes. Claramente um «erro de casting».
Enfim, o dia dois do festival fez-nos esquecer o episódio menor do fim do dia anterior, e já vos dei conta do que foi o memorável concerto de Kurt Elling. Mas antes ainda assistimos ao concerto do trio de Bill Carrothers.
Bill
Carrothers Trio ()
Carrothers não veio a Angra apresentar nenhum novo disco, tendo percorrido
vários dos seus trabalhos, entre o mais recente «Excelsior», «Joy
Spring» e o longínquo «The Blues and the Greys».
O seu estilo não parece revelar filiação directa nalgum
outro pianista, e claramente não pode ser associado a Keith Jarrett,
Brad Mehldau ou Esbjorn Svensson. Claro que foi possível no concerto
encontrar referências ou citações, Tristano, Monk, e ele
terminou o concerto com um rápido bop, mas a sua marca distintiva é um
profundo melodismo que nada tem de xaroposo, com uma utilização
dramática do silêncio. Bonomia, virtuosismo e poesia andaram de
mãos dadas no concerto de Bill Carrothers.
Carrothers trouxe a Angra um dos seus trios europeus, dois músicos irlandeses
que, após alguma hesitação inicial acabaram por cumprir
com eficiência, embora sem rasgos.
Júlio
Resende International Quartet ()
A representação nacional completou-se com o Júlio Resende
International Quartet, com Ole Morten Vagan no contrabaixo, Will Vinson no
saxofone e Joel Silva na bateria.
Júlio Resende é um dos nossos mais sólidos e profícuos
pianistas, com três discos gravados e um sem número de colaborações
em projectos diversos. O concerto começou com “Silêncio
for the Fado” retirado de «You Taste Like a Song», passando
a «Da Alma» e «Jazzatustra», numa demonstração
do eclectismo e da sua solidez como instrumentista. O momento alto do concerto
foi “Hip-Hop Du-Bop”, claramente inspirado nas complexas estruturas
rítmicas de Steve Coleman, e onde Joel Silva esteve em destaque. Aliás
o baterista foi claramente o músico da noite, rigoroso, subtil, eficiente
e criativo; confirmando em Angra o que já tínhamos notado, como
um dos grandes bateristas da nova geração, a seguir com atenção.
Brass
Ecstasy by Jorge Monjardino
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Dave
Douglas Brass Ecstasy ()
O encerramento do Angra Jazz 2011 foi feito com chave de ouro pela Brass Ecstasy
de Dave Douglas, um projecto inspirado nas brass band de New Orleans
e na Brass Fantasy de Lester Bowie. De facto a Brass Ecstasy não copia
o modelo de Bowie, revelando-se em especial nos tempos lentos uma versão
erudita da banda de Bowie. E nisso perdeu alguma da espectacularidade que a
música desbragada de Bowie tinha, mesmo se, no detalhe, ela é com
frequência bastante mais rica. Douglas é um músico exigente,
um chefe de fila do Jazz contemporâneo, instrumentista virtuoso, compositor,
também líder e produtor. Todos os músicos que tocam com
ele possuem um nível excepcional como foi evidente em Angra; e como
foi notório também na substituição do baterista
regular da banda, Nasheet Waits por Joey Baron, a portar-se bastante bem. Foi
um concerto bastante descontraído, onde fantasia combinou com erudição,
com largos espaços para a improvisação.
Os momentos altos do concerto, que não os mais espectaculares, foram
o clássico “Lush Life”; “Safeway”, um tema de
Aaron Copland; e o hit country “I'm So Lonesome I Could Cry”. Brilharam
Marcus Rojas nos impossíveis solos de tuba, Vincent Chancey no lânguido
country e ele mesmo em abrasivos solos. Uma muito física homenagem a
Lester Bowie rematou o 13.º Angra Jazz com a noite já longa.
Cumpriu-se assim mais um AngraJazz, confirmando o seu lugar cimeiro entre os
festivais de Jazz nacionais.
NOTA
FINAL:
Têm sido feitas críticas ao Angra Jazz apresentando a necessidade
de reformular o seu modelo. Creio que as críticas, que se baseiam nalguns
aspectos menores que importa corrigir ou melhorar, ou em imponderáveis,
são injustas e não são inocentes.
O modelo do festival assenta em três dias de concertos duplos com pelo
menos quatro concertos internacionais, um outro de uma banda nacional e ainda
um concerto da Orquestra AngraJazz. Este modelo tem tido bastante êxito,
mercê de uma programação criteriosa e diversificada que
conjuga a tradição com a inovação, mas também
espectáculo com exigência. Foi assim que assistimos em Angra a
concertos memoráveis – que colocaram o AngraJazz na primeira fila
dos festivais nacionais - a começar pelo Kurt Elling deste ano, mas
também Charles Lloyd, Henri Texier, Benny Wallace ou Martial Solal,
entre inúmeros outros.
À margem dos concertos tem sido organizada uma «feira do disco»,
exposições e ocasionalmente conferências. A Orquestra AngraJazz
merece-me uma reflexão mais profunda, mas do modelo do festival a minha única
observação assenta apenas no desejável de fazer sair (ou
melhor, extravasar) o AngraJazz do Centro de Congressos; quer dizer, atribuir-lhe
uma maior visibilidade exterior; levar o festival à cidade e porque não, à ilha.
Isto não é fácil, mas parece-me interessante recuperar algumas
das experiências dos primeiros tempos dos concertos de rua. As possibilidades
são imensas, entre bandas de rua e concertos deslocados pela cidade. Assim
haja financiamento, que quando a crise se abate, a cultura é sempre a
primeira a pagar.
25 Outubro 2011
Qui
6-Out
|
Angra
do Heroísmo
|
Centro
de Congressos
|
21.30
|
Angra
Jazz
|
Orquestra
Angra Jazz
|
Pedro Moreira (dir) Claus Nymark (dir), Rui Borba (sa), Rui Melo (st), Davide Corvelo (st), Telmo Aguiar (st), José Pedro Pires (clb), Rodrigo Lima (f), Márcio Cota (t), Paulo Borges (t), Anthony Barcelos (t), Bráulio Brito (t), Roberto Rosa (t), Manuel Almeida (trb), Paulo Aguiar (trb), Evandro Machado (trb), Adriano Ormonde (trb), Edgar Marques (trom), Paulo Cunha (g), Eduardo Ornelas (ctb), Nuno Pinheiro (bat) |
Night
of Jazz Guitars featuring Larry Coryell
|
Larry Coryell (g), Helmut Kagerer (g), Paulo Morello (g), Andreas Dombert (g) | |||||
Sex
7-Out
|
21.30
|
Bill
Carrothers Trio
|
Bill Carrothers (p), Dave Redmond (b), Kevin Brady (bat) | |||
Kurt
Elling Quintet
|
Kurt Elling (voz), Laurence Hobgood (p), John McLean (g), Harish Raghavan (b), Ulysses Owens (bat) | |||||
Sáb
8-Out
|
21.30
|
Julio
Resend Internacional Quintet
|
Julio Resende (p), Will Vinson (sa), Ole Morten Vagan (b), Joel Silva (bat) | |||
Dave
Douglas Brass Ecstasy
|
Dave Douglas (t), Vincent Chancey (flis), Luis Bonilla (trb), Marcus Rojas (tu), Joey Baron (bat) |
JazzLogical esteve em Angra do Heroísmo a convite do AngraJazz.